O caso recente envolvendo o ator José de Abreu e a deputada federal de direita Tábata Amaral é apenas mais um triste episódio de um folhetim vazio e superficial que tem como cenário as redes sociais.
É neste folhetim que a pequena burguesia, à direita e à esquerda, constrói, diariamente, castelos no ar disfarçados de realidade.
Ao reivindicar para si a pecha de mulher vítima de discurso violento, Tábata apropriou-se e usou um argumento feminista para satisfazer seus interesses pessoais de reeleição em 2022. Sua reação midiática é propaganda e só.
Ficamos sem saber, no entanto, onde estava com a cabeça o ator da Globo, queridinho dos canais de esquerda no YouTube, ao passar uma bola com tanto mel para a ofendida.
Como acontece nesses casos, o castelo de ar da deputada privativa ganhou ainda a defesa incondicional da turba de espertos, uma reação com cara de torcida organizada para garantir o máximo de impacto na forma de likes e de compartilhamentos.
De concreto, ou seja, de realidade visível e palpável, está o fato de que a deputada privatizada não fica ofendida e nem passa vergonha quando condena as mulheres trabalhadoras brasileiras a uma pobreza terrível e desumana ao votar a favor das pautas econômicas que favorecem um parcela mínima e rica da população, o que lhe garante em troca, entre outros benefícios, espaços generosos na imprensa hegemônica.
Atualmente, as mulheres trabalhadoras brasileiras não conseguem ter acesso ao mínimo de proteção social, como direitos trabalhistas, renda para comprar itens básicos de subsistência para si e seus filhos e sistemas de saúde, de apoio à moradia e de aposentadoria que possam evitar uma vida e uma velhice livres de desespero.
Uma das responsáveis por essa lamentável, porém totalmente evitável situação é a deputada privada. A violência de Tábata Amaral contra as mulheres brasileiras é consciente e comprometida com os interesses econômicos da classe dos abastados. No geral, homens brancos e velhos a quem ela se deixa servir e usar de joelhos.
Os interesses são satisfeitos quando legislações, aprovadas por ela e demais colegas de clube privé, autorizam a transferência inesgotável, para esses ricos, da renda produzida por milhões de mulheres trabalhadoras brasileiras, eliminando por completo condições mínimas de sobrevivência e condenando-as e a seus filhos a sofrimentos horríveis.
Tábata e seus colegas privatizados legalizam a exploração. O uso apático de argumentos feministas ajuda a deslegitimar possíveis críticas à sua atuação. O feminismo se torna apenas cortina de fumaça usada para encobrir atitudes concretas que espalham o horror e o desespero.
Isso não é feminismo.
“O feminismo pequeno-burguês é insuficiente para proceder à desmistificação completa da consciência feminina, uma vez que, (...), está compromissado com a ordem social das sociedades de classes (...)”.
A frase acima foi escrita pela pesquisadora Heleieth Saffioti em seu livro A Mulher na Sociedade de Classes, que teve sua primeira edição em 1969.
Florestan Fernandes foi o orientador da pesquisadora, falecida em 2010, que consolidou sua carreira como professora de sociologia na UNESP e dedicou sua vida a pesquisas ligadas à violência contra a mulher brasileira.
No entanto, não surpreende constatar que, passados mais de 50 anos desde a primeira edição do livro, o horizonte político limitado e individualista das Tábatas seja a única alternativa no mercado privativo de deputados personalité.
Tábata vende sua imagem nas redes sociais como se fosse a personagem de um seriado de TV americano dos anos 1960.
Mais triste ainda é perceber que estamos no meio de uma guerra de classes que ainda parece fantasia para muitos que se dizem de esquerda.
Nota-se que muitas mulheres, figuras públicas na política, estão em cima do muro. Elas se dizem de esquerda, mas vivem neste castelo pequeno-burguês feito de ar, aproveitando as hashtags em destaque tanto quanto Tábata.
Condenam o governo, é claro.
Contudo, é pouco: não manifestam posturas consistentes, conscientes e concretas contra o desastre social e não colocam a guerra de classes no centro do debate político. No fundo, são cúmplices da violência perpetrada por agentes da direita.
Não há nada mais confortável do que ficar divulgando #forabolsonaro. Essa hashtag afasta o holofote crítico sobre suas atitudes conformistas e coloca na sombra a bolha institucional à qual pertencem e fazem questão de manter intacta. E, mais importante, garante os votos em 2022.
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