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Filme Vá e Veja exige nossa posição diante do horror


Os olhos de Flyora (Aleksey Kravchenko) suplicam de nós uma posição moral e política. Até onde vai sua indiferença? Foto: divulgação

No sistema capitalista, há dois tipos de pessoas: aqueles que ficam muito ricos com cadáveres e aqueles que são ou serão cadáveres.


Neste sistema econômico, a única contabilidade possível é aquela que calcula o custo do cadáver em relação ao lucro recebido com sua produção.


Por isso, não é de se admirar que a gestão da pandemia seja eficazmente planejada para garantir o máximo de enriquecimento por corpo enterrado. A pergunta que fica é: dos tipos descritos acima, que pessoa você é?


Em um passado nem tão distante, a produção em massa de cadáveres em nome do lucro foi bem menos higiênica que a atual, ou seja, passava longe de tubos em traqueias colocados por trabalhadores de saúde exaustos em UTIs lotadas.


Na II Guerra Mundial, a matança acontecia a céu aberto, em campos de concentração e até mesmo dentro de igrejas. Este último exemplo faz parte da principal cena do filme soviético Vá e Veja (Idi i smotri, 1985), dirigido por Elem Klimov.


O filme conta a história do adolescente Flyora (Aleksey Kravchenko), camponês na vila de Khatyn, que, após achar uma arma, junta-se aos guerrilheiros que combatem a invasão alemã na Bielorrússia em 1943.


Klimov fez um filme avassalador, que usa recursos épicos para passar uma mensagem simples: vá, veja e não esqueça. Ele utiliza Flyora como testemunha do horror, fazendo-o presenciar atos de pura crueldade e escapar da morte por mero acaso.


Esses escolhas narrativas têm motivos sólidos. A partir de ponto de vista de seu personagem, Klimov oferece uma experiência cinematográfica brutal, que visa fazer daqueles que assistem testemunhas também.


Se um filme é um exercício de representação do real, que seja também de memória sobre os fatos que precisam ser lembrados para que não se repitam. É a documentação de uma câmera que não estava lá no momento do acontecimento, mas que quer mostrá-lo da melhor maneira.


Com as escolhas formais do diretor, o ato de ver o filme se torna um exercício ativo sobre a História. É um chamado à nossa responsabilidade como testemunhas. Não dá para se entreter em Vá e Veja.


Em vários momentos, temos o uso da câmara subjetiva, ou seja, que mostra a ação a partir do que o personagem vê. Em outros, os atores olham direto para a câmera e dizem suas falas como se dialogassem com o público. São esses momentos épicos que buscam o olhar ativo de quem assiste.


Em certo sentido, Klimov alcança o limite técnico possível de modo a trazer o espectador para dentro da ação. Ele quer que sintamos a dor de Flyora ao ter um revólver apontado para sua cabeça. Ele quer que envelheçamos como seu protagonista.


Na cena da igreja, o inimaginável: camponeses e suas famílias, incluindo crianças, são queimados vivos pelos nazistas.


A representação é documental: das 9.200 localidades destruídas na URSS durante a II Guerra Mundial, 5.295 estavam situadas na Bielorrússia. Mais de 600 vilas, como Khatyn, foram aniquiladas juntamente com toda a sua população. Cerca de 2.230.000 soviéticos, um terço dos habitantes da Bielorrússia, foram mortos durante os anos da invasão alemã. (fonte: CPC-UMES).


O título do filme é uma alusão ao capítulo 6, versículos 7 e 8, do Apocalipse de S. João: Quando o Cordeiro abriu o quarto selo, ouvi a voz do quarto ser vivente dizer: "Vem e vê!" E olhei, e eis um cavalo amarelo, e o nome do que estava montado sobre ele era Morte; e o inferno seguia com ele. E foi-lhe dado o poder sobre a quarta parte da terra para matar à espada, e com a fome, e com a peste, e com as feras da terra.


(Uma reflexão final sobre a crueldade nazista e a atual conjuntura brasileira. No dia 6 de maio de 2021, (neste dia, a média diária de mortes por Covid-19 foi de 2.500 no Brasil), a polícia civil do Rio de Janeiro invadiu a favela do Jacarezinho e executou 27 pessoas. Após assistir Vá e Veja, fica impossível não perceber a semelhança militar de controle e de aniquilamento. Leia aqui sobre as vítimas).


No nosso tempo histórico, os que sobrevivem são testemunhas. Não esqueça.


Streaming


Vá e Veja está na plataforma SESC Digital. #CinemaEmCasa #Cinesesc

Também pode ser adquirido em DVD no site do CPC-UMES.

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