
Ataque dos Cães (The Power of the Dog) é o mais novo filme da diretora neozelandesa Jane Campion. O elenco tem a participação de estrelas como Benedict Cumberbatch (o Dr. Estranho nos filmes da Marvel), Kirsten Dunst (Melancolia, de Lars von Trier) e Jesse Plemons (Jesus e o Messias Negro).
Tem recebido boas críticas e consta de inúmeras listas internacionais dos melhores de 2021, tornando-se, assim, sério candidato a indicações ao Oscar. O filme merece a atenção que está ganhando, principalmente pela maneira lúcida como aborda a moralidade identitária contemporânea.

O enredo conta a história dos irmãos Phil (Cumberbatch) e George (Plemons), proprietários de uma grande fazenda no estado de Montana, Estados Unidos, na década de 1920, onde criam gado. Aparentemente, a história acontece antes da crise do capitalismo de 1929.
Os irmãos são bem diferentes. George é introspectivo, mas é o cérebro que cuida dos negócios e do dinheiro da família, tem contatos com a alta sociedade e com o governador, o que revela certa ambição política.
Aparentemente, ele é submisso às vontades de Phil, o cowboy rude, durão, instável e autoritário, que maneja a produção, os empregados e a rotina do trabalho. Ele é apresentado como o homem branco machista, sujo e desagradável, que gosta de acampar nas montanhas e caçar animais.
Desde o início, há uma tensão entre os irmãos que se intensifica quando George anuncia seu noivado com Rose (Dunst), uma viúva, mãe de um filho adolescente e dona da única hospedaria no remoto local onde eles vivem.
A linda paisagem rural, ainda selvagem, e o trabalho duro dos vaqueiros fazem o filme ter um parentesco com o gênero western. Contudo, não é com armas e cenas de lutas que Ataque dos Cães se impõe. Há até uma cena de duelo, mas a arme é a música.
Sem revelar muito mais do enredo, acreditamos que o grande mérito do filme, após estabelecer as características sociais e psicológicas e o conflito entre os principais personagens, é apresentar um jogo de aparências, construído de maneira sutil e consistente.

Jane Campion oferece um exercício formal meticuloso, baseado no trabalho dos excelentes atores e em uma edição primorosa. As escolhas narrativas selecionam o que deve ser mostrado, dito ou subentendido: é como se o filme convidasse quem assiste a participar deste jogo de percepção.
Tudo depende da maneira como o espectador se deixa aderir às situações ou se identifica com algum dos personagens que, lembremos, são muito ricos, como mostra a magnífica sede da fazenda, ou em necessidade, como Rose e seu filho.
O filme discute justamente quem são os heróis ou os vilões diante dos conflitos apresentados. A escalação certeira de Cumberbatch para viver Phil choca-se com seu papel no universo dos super-heróis do cinema de ação.
Do ponto de vista político, essas escolhas formais estão a serviço do tema principal e este não poderia ser mais atual. Apesar do cenário ser o dos anos 1920, o que está sendo abertamente discutido é o falso moralismo da chamada cultura identitária do século XXI e como este moralismo pode ser manipulado para fins bastante mesquinhos.
Homens brancos ricos e autoritários, mulheres pobres e indefesas, indígenas em situação de vulnerabilidade e preconceito contra homossexuais estão ali e desafiam nosso olhar. Afinal, quem são os cães? Todos? Os estereótipos estão a serviço das relações econômicas de dependência, dominação e ambição entre os personagens.
A complexidade de Ataque dos Cães é um alento diante da superficialidade apresentada em filmes, séries e novelas que praticam a bondade da inclusão social.
Ao invés de se colocar como paradigma da moralidade politicamente correta, o filme, no fundo, questiona os interesses individuais no ambiente capitalista, que fomenta conflitos como sua razão de ser.
Streaming
Ataque dos Cães está no Netflix.
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